O Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo presidente é o ministro Francisco Cesar Asfor Rocha, reconheceu o entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que completa 20 anos em 2010, se aplica também entre empresas. O reconhecimento aconteceu durante o julgamento de um recurso do
hospital C. T., que recorreu de decisão favorável à Companhia de S. B. de São Paulo.
"As pessoas jurídicas sempre devem observar se são destinatárias ou não dos produtos ou serviços. Se a resposta for positiva aí sempre se aplicará o CDC", orienta Felicio Rosa Valarelli Junior, do Valarelli Advogados
Associados.
No processo julgado, as partes discutiam se a relação entre as duas instituições estava sujeita à lei consumerista, com vistas à aplicação do artigo 42, parágrafo único, do CDC, que prevê, na cobrança de débitos, que o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Ao analisar a questão, o ministro relator, Francisco Falcão, entendeu que, de acordo com o conceito de consumidor expresso no artigo 2º do CDC, esse seria "toda pessoa física
ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". "À luz da lei, a recorrente [C. T.] se constituiu em empresa, em cujo imóvel funcionam diversos serviços, como médico-hospitalares,
laboratoriais, ambulatoriais, clínicos e correlatos, não apresentando qualquer característica de empreendimento em que haja a produção de produtos a serem comercializados", disse o ministro.
Para Falcão, o que se observa é que o empreendimento está voltado para a prestação de serviços, sendo certo que a água fornecida ao imóvel da empresa é utilizada para a manutenção dos serviços e do próprio funcionamento do prédio, como é o caso do imóvel particular - em que a água fornecida é utilizada para consumo das pessoas que nele moram, bem como para manutenção da residência. Desse modo, pelo tipo de atividade desenvolvida pela instituição, percebe-se que ela não utiliza a água como produto a ser integrado em qualquer processo de produção, transformação ou comercialização de outro produto, mas apenas para uso próprio.
Nesse sentido, de acordo com informações do STJ, sendo o T. destinatário final da água, a empresa está inserida no conceito de consumidor e submetida à relação de consumo, devendo, portanto, ser aplicado o artigo 42 do CDC, que estabelece que "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".
"O consumidor pode ser pessoa física ou jurídica. O que definirá tal situação são duas importantes características: a vulnerabilidade e a hipossufuciência da parte", explicou Juliano Scarpetta, do Bornholdt
Advogados.
Entendimentos
Mas essa opinião nem sempre é compartilhada por todos os advogados. No entendimento de Thiago Vezzi, do Salusse Marangoni Advogados, dependendo da situação, o código consumeirista pode ou não ser aplicado às relações comerciais havidas entre empresas. "A resposta para saber se a relação havida é ou não de consumo está na destinação que será dada ao produto ou serviço. Se a empresa utilizar o produto ou serviço como insumo em seu negócio [em regra] não haverá aplicação do CDC e a relação comercial será regida pelo Código Civil. Todavia, caso a empresa não utilize o produto ou serviço como matéria-prima para sua atividade, a relação havida deverá ser - em regra - considerada como relação de consumo", salientou.
O advogado cita um caso que considerou "emblemático":
"Advogávamos para uma empresa de telefonia celular. Uma empresa de rastreamento de veículos - que utilizava celulares nos carros para fazer esse rastreamento - ingressou com ação em face de nossa cliente discutindo
valores cobrados em suas faturas. Ela pediu a aplicação do CDC e nós argumentamos que, como ela utilizava os serviços de telefonia como insumo de sua atividade, não haveria que se falar em aplicação do CDC", disse o
especialista, que continuou: "O juiz acolheu nossa tese e a ação foi julgada improcedente e com fundamento no Código Civil. Nossa cliente saiu vitoriosa", comemorou.
"O conceito de consumidor e o seu alcance passa necessariamente pela análise da noção de vulnerabilidade, independente do adquirente ser profissional ou não, pessoa física ou jurídica", finalizou Marcos Braid, do Ulisses Sousa Advogados Associados.
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