Cobrança de taxas não informadas previamente, atraso na entrega das chaves e
"defeitos" estão entre os principais problemas enfrentados por quem compra
imóvel na planta.
Quando decidiu comprar um apartamento em
construção, em 2008, o consultor de marketing e associado do Idec Enio Carvalho,
de Salvador (BA), não imaginava que teria tantos gastos extras. Em 2009, ele foi
surpreendido com a cobrança de uma "taxa" para ambientação do condomínio (compra
de móveis e acessórios para as áreas comuns do prédio), em dez parcelas de R$
545. "Quando fechei negócio, ninguém me avisou que isso seria cobrado", reclama.
Independentemente da falta de informação, o pagamento exigido pela construtora é
indevido, pois a questão deveria ser definida pelos próprios moradores, após a
constituição do condomínio e a elaboração da convenção. "A convenção, entre
tantas outras regras, define de quanto será a contribuição de cada condômino
para as despesas de condomínio, entre elas a ambientação do local, e como ela
será feita", explica a advogada Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec.
À
época, Enio resolveu não comprar briga com a construtora e pagou a tal taxa. Mas
os gastos surpresa não pararam por aí. Quando o apartamento estava para ser
entregue, em dezembro do ano passado, surgiu o Imposto de Transmissão de Bens
Imóveis "Inter Vivos" (ITBI), recolhido pela prefeitura municipal.
Imprescindível para a entrega das chaves, o ITBI corresponde a cerca de 3% do
valor do imóvel. A cobrança desse imposto é legítima, mas precisa ser informada
ao consumidor previamente.
O caso do associado evidencia que a compra de
um imóvel na planta exige planejamento financeiro. Mas não é só, pois muitas
outras pedras podem surgir no meio do caminho.
PREPARE O
BOLSO
O imóvel na planta pode ser um bom negócio para quem não
tem urgência em se mudar ou quer fazer um investimento. Quem adquire um
apartamento ou sala comercial em fase de construção, paga cerca de 20% a 30%
menos em relação a um pronto. Em alguns casos, a valorização do imóvel chega a
50%, segundo especialistas. Mas é importante que, antes de assinar o contrato, o
consumidor avalie bem as condições de pagamento e reserve algum dinheiro para
imprevistos ou "taxas" não informadas. Veja no rodapé desta página exemplo de
parcelamento.
É importante lembrar ainda que
a mensalidade pode sofrer variação em relação aos valores apresentados pela
construtora. Durante a fase de construção do imóvel não pode haver cobrança de
juros, mas as parcelas são corrigidas com base no Índice Nacional da Construção
Civil (INCC), que incide sobre o total do saldo devedor e não sobre o valor da
mensalidade, o que contribui para o encarecimento das parcelas. Muito embora a
cobrança de juros antes da entrega das chaves seja proibida, o associado Enio
constatou que eles eram embutidos no valor das mensalidades pagas. "Depois que
já tinha assinado o contrato, vi que há uma cláusula que prevê a correção
monetária das parcelas pelo INCC e pelo IGPM [Índice Geral de Preços do
Mercado], acrescida de juros de 1% ao mês", afirma o associado. A prática é
ilegal. "Se o imóvel não for financiado, não é possível cobrar juros, visto que
estes são a remuneração do banco ou da construtora, quando um deles concede
financiamento", ressalta Maria Elisa. O entendimento é reconhecido pela Justiça
e foi consolidado por decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em
setembro do ano passado. Para resolver a questão, o mutuário pode recorrer ao
Judiciário - caso não consiga acordo com a construtora infratora - para fazer
cessar a cobrança e ser ressarcido dos valores cobrados indevidamente.
Diante do aumento do valor das parcelas ou de imprevistos financeiros,
muitos compradores desistem do negócio. Nesse caso, eles têm direito de receber
à vista o valor pago, conforme entendimento consolidado pelo Tribunal de Justiça
de São Paulo (TJ-SP), em decisão divulgada em junho do ano passado. O caso
chegou ao Tribunal porque muitas construtoras queriam parcelar o reembolso.
Apesar de assegurar a devolução integral, o TJ-SP considerou que as empresas
podem cobrar multa de até 20% do total pago. Para o Idec, a multa deveria ser de
no máximo 10%, conforme o previsto na Lei de Usura. "É importante que o
percentual de multa seja previsto no contato, para preservar o direito à
informação clara e adequada do consumidor", destaca Maria Elisa.
Já
aqueles que querem revender o imóvel durante o parcelamento ou pretendem lavrar
escritura em nome de outra pessoa depois do financiamento costumam ser
surpreendidos com a cobrança da taxa de cessão de direitos, que pode chegar a 3%
do valor do imóvel. O Idec entende que ela é abusiva, pois não tem respaldo
legal e tolhe o direito do consumidor de se desfazer de um bem sem ser onerado
por isso.
CADÊ MEU IMÓVEL?
No ano passado, o número de
reclamações feitas por consumidores que não receberam o imóvel na data marcada
cresceu 80% em relação a 2009, segundo levantamento da Associação Brasileira dos
Mutuários da Habitação (ABMH) a partir de dados do Procon-SP. De acordo com
Alexandre Soares, advogado da entidade, embora o aumento tenha sido apurado
apenas em São Paulo, o problema é generalizado. "As empresas alegam falta de mão
de obra para dar conta da demanda, mas o problema não pode ser repassado ao
consumidor", aponta. Para tentar se esquivar das reclamações, a maioria das
construtoras inclui no contrato as chamadas "cláusulas de tolerância", que
preveem atraso de até seis meses para finalizar as obras. Para o Ministério
Público de São Paulo (MP-SP), contudo, essa prática é abusiva e não pode ser
aceita.
Em maio do ano passado, o MP-SP moveu ações contra as
construtoras Civic, Cyrella, Etemp, Gafisa, MRV, Odebrecht e Tenda para impedir
a inclusão dessas cláusulas nos novos contratos e anular as dos já existentes.
Na ação, o Ministério aponta que essas empresas fixam prazos e preveem multa
moratória para o consumidor em caso de atraso no pagamento, mas não o fazem para
o fornecedor, o que torna a relação desequilibrada. Essa também é a opinião da
ABMH, que considera as cláusulas de tolerância abusivas. "Existem algumas
decisões [judiciais] que entendem que a construtora também tem de pagar multa ao
consumidor em caso de atraso na entrega, mesmo que isso não esteja previsto em
contrato. Embora esse tipo de sentença ainda seja minoritário, o entendimento
está tomando força no Poder Judiciário", afirma Soares. Para o Idec, cláusulas
que limitam os direitos do consumidor devem ser destacadas no contrato.
Mas e se o atraso acontecer, o que fazer? "O atraso, principalmente se
superar o prazo de tolerância, caracteriza descumprimento contratual, o que
permite ao consumidor cancelar o negócio. E se houver previsão de multa pelo
descumprimento contratual pelas partes, o consumidor também tem direito a ela,
além da devolução dos valores pagos com correção monetária", explica Maria
Elisa. Se não quiser desistir do imóvel, no entanto, a saída é ingressar na
Justiça para pedir respeito ao contrato e suspensão do pagamento das parcelas
até o cumprimento da etapa faltante. "Como o atraso da obra prejudica todos os
futuros condôminos, é importante que eles se reúnam e procurem um advogado para
ingressar na Justiça com esse pedido", recomenda a advogada. Ela alerta ainda
que o consumidor não deve deixar de pagar as parcelas sem tomar medida judicial
preventiva, pois mesmo que o prazo de entrega não tenha sido cumprido, o
inadimplemento será punido com multa e juros moratórios. Na ação, os compradores
podem exigir que todas as despesas com as quais tiveram de arcar no período de
atraso sejam ressarcidas posteriormente pela empresa, com a aplicação de
correção monetária e juros. "Além disso, se o consumidor provar que teve um
prejuízo intolerável, pode pedir, também, indenização por danos morais", aponta
Maria Elisa.
CASA NOVA COM DEFEITO
Defeitos de
qualidade, como, por exemplo, rachaduras, também são problemas comumente
enfrentados pelos consumidores. "Para evitar esse tipo de situação, o consumidor
deve pesquisar a reputação da construtora e visitar outros empreendimentos
feitos por ela", aconselha o advogado da ABMH. Também é comum a área do imóvel
ser menor que a prometida. O Código Civil prevê tolerância de 5%, mas uma
decisão de 2006 do STJ defendeu a aplicação do CDC para a compra de imóvel na
planta. Dessa forma, ficam proibidas cláusulas com previsões que reduzam ou
amenizem direitos garantidos aos consumidores ou gerem vantagens injustificadas
para os fornecedores.
SAIBA MAIS
Dicas para antes e depois da compra
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário