quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Aquisição do Imóvel na Planta



Cobrança de taxas não informadas previamente, atraso na entrega das chaves e "defeitos" estão entre os principais problemas enfrentados por quem compra imóvel na planta.

Quando decidiu comprar um apartamento em construção, em 2008, o consultor de marketing e associado do Idec Enio Carvalho, de Salvador (BA), não imaginava que teria tantos gastos extras. Em 2009, ele foi surpreendido com a cobrança de uma "taxa" para ambientação do condomínio (compra de móveis e acessórios para as áreas comuns do prédio), em dez parcelas de R$ 545. "Quando fechei negócio, ninguém me avisou que isso seria cobrado", reclama. Independentemente da falta de informação, o pagamento exigido pela construtora é indevido, pois a questão deveria ser definida pelos próprios moradores, após a constituição do condomínio e a elaboração da convenção. "A convenção, entre tantas outras regras, define de quanto será a contribuição de cada condômino para as despesas de condomínio, entre elas a ambientação do local, e como ela será feita", explica a advogada Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec.

À época, Enio resolveu não comprar briga com a construtora e pagou a tal taxa. Mas os gastos surpresa não pararam por aí. Quando o apartamento estava para ser entregue, em dezembro do ano passado, surgiu o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis "Inter Vivos" (ITBI), recolhido pela prefeitura municipal. Imprescindível para a entrega das chaves, o ITBI corresponde a cerca de 3% do valor do imóvel. A cobrança desse imposto é legítima, mas precisa ser informada ao consumidor previamente.

O caso do associado evidencia que a compra de um imóvel na planta exige planejamento financeiro. Mas não é só, pois muitas outras pedras podem surgir no meio do caminho.

PREPARE O BOLSO

O imóvel na planta pode ser um bom negócio para quem não tem urgência em se mudar ou quer fazer um investimento. Quem adquire um apartamento ou sala comercial em fase de construção, paga cerca de 20% a 30% menos em relação a um pronto. Em alguns casos, a valorização do imóvel chega a 50%, segundo especialistas. Mas é importante que, antes de assinar o contrato, o consumidor avalie bem as condições de pagamento e reserve algum dinheiro para imprevistos ou "taxas" não informadas. Veja no rodapé desta página exemplo de parcelamento.

Clique na imagem para ampliar É importante lembrar ainda que a mensalidade pode sofrer variação em relação aos valores apresentados pela construtora. Durante a fase de construção do imóvel não pode haver cobrança de juros, mas as parcelas são corrigidas com base no Índice Nacional da Construção Civil (INCC), que incide sobre o total do saldo devedor e não sobre o valor da mensalidade, o que contribui para o encarecimento das parcelas. Muito embora a cobrança de juros antes da entrega das chaves seja proibida, o associado Enio constatou que eles eram embutidos no valor das mensalidades pagas. "Depois que já tinha assinado o contrato, vi que há uma cláusula que prevê a correção monetária das parcelas pelo INCC e pelo IGPM [Índice Geral de Preços do Mercado], acrescida de juros de 1% ao mês", afirma o associado. A prática é ilegal. "Se o imóvel não for financiado, não é possível cobrar juros, visto que estes são a remuneração do banco ou da construtora, quando um deles concede financiamento", ressalta Maria Elisa. O entendimento é reconhecido pela Justiça e foi consolidado por decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em setembro do ano passado. Para resolver a questão, o mutuário pode recorrer ao Judiciário - caso não consiga acordo com a construtora infratora - para fazer cessar a cobrança e ser ressarcido dos valores cobrados indevidamente.

Diante do aumento do valor das parcelas ou de imprevistos financeiros, muitos compradores desistem do negócio. Nesse caso, eles têm direito de receber à vista o valor pago, conforme entendimento consolidado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), em decisão divulgada em junho do ano passado. O caso chegou ao Tribunal porque muitas construtoras queriam parcelar o reembolso. Apesar de assegurar a devolução integral, o TJ-SP considerou que as empresas podem cobrar multa de até 20% do total pago. Para o Idec, a multa deveria ser de no máximo 10%, conforme o previsto na Lei de Usura. "É importante que o percentual de multa seja previsto no contato, para preservar o direito à informação clara e adequada do consumidor", destaca Maria Elisa.

Já aqueles que querem revender o imóvel durante o parcelamento ou pretendem lavrar escritura em nome de outra pessoa depois do financiamento costumam ser surpreendidos com a cobrança da taxa de cessão de direitos, que pode chegar a 3% do valor do imóvel. O Idec entende que ela é abusiva, pois não tem respaldo legal e tolhe o direito do consumidor de se desfazer de um bem sem ser onerado por isso.

CADÊ MEU IMÓVEL?

No ano passado, o número de reclamações feitas por consumidores que não receberam o imóvel na data marcada cresceu 80% em relação a 2009, segundo levantamento da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH) a partir de dados do Procon-SP. De acordo com Alexandre Soares, advogado da entidade, embora o aumento tenha sido apurado apenas em São Paulo, o problema é generalizado. "As empresas alegam falta de mão de obra para dar conta da demanda, mas o problema não pode ser repassado ao consumidor", aponta. Para tentar se esquivar das reclamações, a maioria das construtoras inclui no contrato as chamadas "cláusulas de tolerância", que preveem atraso de até seis meses para finalizar as obras. Para o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), contudo, essa prática é abusiva e não pode ser aceita.

Em maio do ano passado, o MP-SP moveu ações contra as construtoras Civic, Cyrella, Etemp, Gafisa, MRV, Odebrecht e Tenda para impedir a inclusão dessas cláusulas nos novos contratos e anular as dos já existentes. Na ação, o Ministério aponta que essas empresas fixam prazos e preveem multa moratória para o consumidor em caso de atraso no pagamento, mas não o fazem para o fornecedor, o que torna a relação desequilibrada. Essa também é a opinião da ABMH, que considera as cláusulas de tolerância abusivas. "Existem algumas decisões [judiciais] que entendem que a construtora também tem de pagar multa ao consumidor em caso de atraso na entrega, mesmo que isso não esteja previsto em contrato. Embora esse tipo de sentença ainda seja minoritário, o entendimento está tomando força no Poder Judiciário", afirma Soares. Para o Idec, cláusulas que limitam os direitos do consumidor devem ser destacadas no contrato.

Mas e se o atraso acontecer, o que fazer? "O atraso, principalmente se superar o prazo de tolerância, caracteriza descumprimento contratual, o que permite ao consumidor cancelar o negócio. E se houver previsão de multa pelo descumprimento contratual pelas partes, o consumidor também tem direito a ela, além da devolução dos valores pagos com correção monetária", explica Maria Elisa. Se não quiser desistir do imóvel, no entanto, a saída é ingressar na Justiça para pedir respeito ao contrato e suspensão do pagamento das parcelas até o cumprimento da etapa faltante. "Como o atraso da obra prejudica todos os futuros condôminos, é importante que eles se reúnam e procurem um advogado para ingressar na Justiça com esse pedido", recomenda a advogada. Ela alerta ainda que o consumidor não deve deixar de pagar as parcelas sem tomar medida judicial preventiva, pois mesmo que o prazo de entrega não tenha sido cumprido, o inadimplemento será punido com multa e juros moratórios. Na ação, os compradores podem exigir que todas as despesas com as quais tiveram de arcar no período de atraso sejam ressarcidas posteriormente pela empresa, com a aplicação de correção monetária e juros. "Além disso, se o consumidor provar que teve um prejuízo intolerável, pode pedir, também, indenização por danos morais", aponta Maria Elisa.

CASA NOVA COM DEFEITO

Defeitos de qualidade, como, por exemplo, rachaduras, também são problemas comumente enfrentados pelos consumidores. "Para evitar esse tipo de situação, o consumidor deve pesquisar a reputação da construtora e visitar outros empreendimentos feitos por ela", aconselha o advogado da ABMH. Também é comum a área do imóvel ser menor que a prometida. O Código Civil prevê tolerância de 5%, mas uma decisão de 2006 do STJ defendeu a aplicação do CDC para a compra de imóvel na planta. Dessa forma, ficam proibidas cláusulas com previsões que reduzam ou amenizem direitos garantidos aos consumidores ou gerem vantagens injustificadas para os fornecedores.


SAIBA MAIS




  • Matéria "O barato pode sair caro" (edição no 143)
  • Seção Dúvida Legal, sobre o pagamento de condomínio de imóveis comprados na planta (edição no 155) 



  • Dicas para antes e depois da compra


  • Visite outras obras da construtora para verificar sua qualidade e pergunte aos moradores se os prazos foram cumpridos.
  • Pesquise a idoneidade da empresa; verifique se há queixas nos órgãos de defesa do consumidor e se existem reclamações de dívidas nos cartórios de protestos e distribuidores da Justiça.
  • Averigue se a planta está aprovada na prefeitura e se a incorporação está  registrada no Cartório de Registro de Imóveis, para que não haja risco de a obra estar ou vir a ser embargada.
  • Exija a minuta do contrato e observe todos os detalhes sobre forma de pagamento, parcelas intermediárias e entrega das chaves.
  • Leia atentamente o memorial descritivo.
  • Guarde todos os anúncios relativos ao empreendimento, pois eles servem de  prova caso haja descumprimento da oferta.
  • Feito o negócio, acompanhe o andamento da construção: visite a obra periodicamente e mantenha contato com os futuros vizinhos, inclusive para formar uma comissão de moradores.


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