Acidentes ocorrem, pois a vida é cheia de imprevistos. O direito desenvolveu todo um arcabouço de normas e tratamento de casos concretos, consolidados na chamada Teoria da Imprevisão. Contratos podem ser desfeitos sem penalidades, o reequilíbrio econômico deve ser buscado, tudo evitando que os ônus do imprevisto recaiam somente sobre uma parte do contrato, gerando enorme injustiça e, no extremo, rupturas.
Para evitar a descontinuidade das relações econômicas, foi concebido há séculos o princípio da mutualidade, fundamento dos seguros. A tentativa de adaptação aos fatores negativos do meio ambiente levou o ser humano a concluir que pouco valia sua iniciativa isolada para tentar controlar situações que superam sua capacidade de previsão ou reação. A cobertura recíproca de uma necessidade fortuita e estimável, relativa a múltiplas economias ameaçadas de igual modo, é um fato inerente a sociedades que constatam ser a ajuda mútua algo necessário para levar prosperidade ao grupo.
O conceito não é de mera reparação econômica, mas sim da reparação que advém de um sistema de compensação entre economias ameaçadas pelos mesmos riscos. Manter uma sociedade segura, entretanto, demanda um envolvimento coletivo para todos tornarem-se mais responsáveis, pois o erro de um prejudica a todos.
Dentre os diversos meios de se medir o desenvolvimento de um país, está o grau de disseminação dos seguros entre a população. Quantas pessoas identificam os riscos que lhes cercam e buscam uma solução não individual, mas coletiva (seguro), para se protegerem contra os mesmos? No Brasil tal proteção é economicamente viável, ou o preço é proibitivo? Se o preço é alto, qual a razão?
Um caminhão que perde os freios em uma avenida, ceifando vidas e bens materiais, é um fato previsível se inexistem mecanismos que tornem inviável que seu dono circule com uma mecânica precária. A perda de um prazo processual por um advogado que se vê vítima de um grave imprevisto, gerando a decadência do direito e prejuízo a um cliente, pode gerar ônus apenas a uma das partes na relação, criando grande injustiça. É possível evitar tais problemas?
Uma sociedade que arca com as conseqüências dos atos de seus componentes, de forma coletiva, dá elevada importância à mutualidade. O abandono do indivíduo à sua própria sorte, ou à solidariedade eventual, não é sinônimo de desenvolvimento. São necessários estímulos para todos desejarem se proteger contra imprevistos, pois este é o caminho de uma sociedade responsável e justa. Aceitar que viver importa em riscos que não precisam ser arcados apenas pela vítima, afastando o determinismo do tipo "Deus quis assim", promove iniciativas coletivas visando minimizar danos.
Há várias formas de um país se desenvolver, mas a melhor delas é tocar cada indivíduo sobre sua responsabilidade perante a coletividade. O que os seguros fazem é exatamente transferir de modo uniforme aos cidadãos a responsabilidade de cada um em sua organização social. Quanto mais conseguirmos identificar riscos (violência, usurpação da propriedade, enchentes, desmoronamentos) e criar mecanismos para que os mesmos não aconteçam, ou se acontecerem serem arcados responsavelmente (pois tudo terá sido feito para evitá-los), maior o nosso grau de desenvolvimento como sociedade.
Dan M. Kraft, Advogado, mestre em direito comercial (UFMG) e internacional (Londres)
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