Faz sucesso na internet a carta de um ouvinte do consultor Max Gehringer da rádio CBN na qual aquele se orgulha de ter poupado pouco ao longo da vida, mas, por outro lado, ter vivido com prazer. Cuidado, pois esse conselho serve para um grupo restrito de pessoas.
Dias atrás uma amiga mostrou-me um e-mail que reproduzia a carta, chamada “Viver ou Juntar Dinheiro?”, de um ouvinte do famoso consultor Max Gehringer. Digitei o título no Google e deparei-me com dezenas de referências elogiosas à citada carta. Há até um vídeo no YouTube onde aparece a figura do consultor e, ao fundo, a gravação do programa na rádio.
O texto é cativante por ser simples. O simples geralmente é belo. O simples atrai. A beleza de uma obra de arte está relacionada à sua simplicidade. Mas aquela carta não é literatura, ela trata de finanças pessoais. E quando falamos de dinheiro, conselhos simples tornam-se simplórios e podem gerar decisões equivocadas.
O ouvinte diz: “Li numa revista um artigo no qual jovens executivos davam receitas simples e práticas para qualquer um ficar rico”. “Descobri, para minha surpresa, que hoje eu poderia estar milionário. Bastava (...) não ter desperdiçado meu dinheiro em itens supérfluos e descartáveis”. “Percebi que hoje eu poderia ter quase R$ 500 mil na conta bancária. É claro que eu não tenho esse dinheiro”. E conclui com orgulho, dando um conselho: “Gastei meu dinheiro com prazer e por prazer. Recomendo aos jovens e brilhantes executivos que façam a mesma coisa que eu fiz. Caso contrário chegarão aos 61 anos com um monte de dinheiro em suas contas bancárias, mas sem ter vivido a vida”.
Permito-me discordar parcialmente da visão do leitor. Tenho o álibi de não ser mais tão jovem. A recomendação dos consultores para poupar não tem o objetivo de gerar uma riqueza estéril. Não serve para o aplicador viver tal como um Tio Patinhas sentado em cima de suas moedas, enclausurado em um cofre forte. A recomendação dos planejadores financeiros não pretende transformar os poupadores em meros sovinas, avarentos, mesquinhos.
A construção de um patrimônio tem o intuito de preparar as pessoas para a aposentadoria quando a capacidade laboral se reduzir. É mais fácil poupar enquanto se é produtivo.
O conselho do ouvinte serve para uma pequena parcela da população que não necessita constituir poupança ao longo da vida produtiva. Falo dos seguintes grupos:
1) Funcionários públicos que se aposentarão com o salário integral e cujos orçamentos domésticos caibam “dentro” dos seus proventos;
2) Pessoas que herdarão grandes somas no futuro de seus ascendentes, descendentes ou colaterais cujos valores suportarão seus gastos ao longo da aposentadoria;
3) Pessoas que se retirem pelo INSS e consigam gastar menos do que suas aposentadorias. Lembrando que o teto do INSS é R$ 3.916,20;
4) Aposentados que gastam mais do que suas aposentadorias, mas que tenham alguém – filhos, sobrinhos, amigos – que suporte seus gastos extras;
5) Os felizardos ganhadores de grandes somas em jogos de azar – loteria, megasena etc;
6) Aqueles que morrerão antes de se aposentarem (acredito que ninguém queira fazer parte dessa turma).
Para todos os demais, não há outra solução a não ser gerar poupança durante a vida produtiva, constituindo um patrimônio com base em uma carteira de ações, imóveis, Tesouro Direto, renda fixa ou uma combinação desses ativos.
Se o ouvinte da rádio fosse um aposentado do INSS, tivesse uma aposentadoria de R$ 3 mil, gastasse R$ 7 mil por mês e os juros reais se mantivessem em 2% nos próximos anos, os R$ 500 mil citados seriam consumidos em pouco mais de 11 anos. Acredito que aí o ouvinte, aos 72 anos, se arrependeria de ter escrito a tão saudada carta ao perceber que mesmo os R$ 500 mil que ele não conseguiu poupar não teriam sido suficientes.
Se você não faz parte dos seis grupos acima, será necessário viver e juntar dinheiro ao mesmo tempo. Será tão difícil? Não se “viver bem” não significar necessariamente consumir.
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